Manifesto sobre o minimalismo patafísico
por Guilherme Trucco
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Texto: do latim, textus; tecido.
Graciliano Ramos dizia que um texto deveria ser escrito da mesma forma como as lavadeiras de Alagoas fazem o seu ofício: torcendo e retorcendo o tecido até não pingar do pano uma só gota.
Ernest Hemingway argumentava que as palavras haviam perdido o gume. Em busca da realidade mais crua, acreditava que elas estavam cegas, insossas, por conta do seu uso em demasia.
Por outro lado, temos a Patafísica, ciência das soluções imaginárias. Ora, se a ciência é matéria que busca soluções concretas para explicar nossa realidade, como ela pode ser objetivo de soluções imaginárias? É nessa contradição elíptica que reside a pedra-pomes para afiar as palavras. A justaposição de aspectos opostos é um biscoito fino, ao mesmo tempo crocante e macio.
Tanto Ramos quanto Hemingway buscaram afiar suas palavras economizando-as. Graciliano, ao retorcer o tecido; Hemingway, com sua teoria do iceberg. Que melhor forma de economizá-las que não as esconder dentro de paradoxos, antíteses, contradições elípticas?
Uma das aplicações da Patafísica na literatura foi a OuLiPo, movimento que busca introduzir padrões matemáticos na produção de textos, sendo seus maiores expoentes Georges Perec e Italo Calvino. Que elegante contradição: Matemática aplicada à escrita.
Ademais, os padrões matemáticos, assim como a Patafísica em si, funcionam como ferramenta potente para afiar palavras.
A Patafísica provê como temática os dilemas e as ações paradoxais que irão compor o enredo. A Matemática oferece estrutura. O minimalismo entra com o estilo, a técnica, que deve traduzir a mensagem coesa no tecido do texto, garantindo coerência entre temática, mensagem e meio. A saber:
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sempre que possível, sujeito oculto ou indefinido;
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preferir orações em ordem direta;
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elipses verbais serão muitíssimo apreciadas;
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sequências de orações coordenadas assindéticas ajudarão com o ritmo;
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períodos com mais de quatro palavras deverão ser precedidos de pelo menos três períodos com menos de quatro palavras.
Não são réguas, claro. São compassos e esquadros talvez; ajudam a guiar, traçar, mas não devem limitar.
Podemos aplicar esses conceitos em um texto conhecido, para ver seu efeito. Peguemos um trecho de Cervantes, por exemplo, em seu Quixote¹:
“À força de tanto ler e imaginar, fui me distanciando da realidade ao ponto de já não poder distinguir em que dimensão vivo”.
Primeiro, precisamos de uma contradição:
À força de tanto ler e imaginar, fui me aproximando da realidade, ao ponto de já não ter mais nenhuma dúvida, da realidade dura e crua.
Agora, organizemos o texto de forma direta:
Eu leio e imagino tanto, que me aproximo cada vez mais da realidade, ao ponto de não ter mais dúvidas sobre a realidade, que é nua e crua.
Agora, coesão:
Eu leio e imagino. Me aproximo cada vez mais da realidade. Não tenho dúvidas, é nua e crua.
E então, subtração:
Leio e imagino. Aproximo-me da realidade, nua e crua.
Quantos mistérios agora pairam sobre essa oração? Da mesma forma que, como diria Breton², “Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio pau a bandeira da imaginação”, digo que a pureza e a elegância da simplicidade, somadas ao mistério dos paradoxos, irão fincar a bandeira da criatividade.
1(CERVANTES, Miguel de. Dom Quixote de la Mancha. São Paulo: Moderna, 2000.)
2(BRETON, Andre. Manifestos do Surrealismo. São Paulo: Brasiliense, 1985.)
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